A heresia Cátara, foi a mais importante dissidência da Igreja Católica na Europa durante os séculos XI e XV.
Frontalmente oposta à Igreja oficial, poderosa e mundana, que se havia despojado por completo da mensagem evangélica, agarrada a uma teocracia pontifícia, dogmática, assenhoreada da verdade irrefutável, com o predomínio absoluto da Santa Sé sobre o poder temporal, encontrava-se a autêntica Igreja de Cristo, fiel seguidora da vida apostólica, cujos princípios evangélicos predicava sem cessar e, que era vítima das perseguições que Jesus Cristo, havia anunciado aos seus seguidores: «Se a mim me perseguiram, também a vós os perseguirão»
Sem dúvida, apesar de se enfrentarem tão radicalmente, ambas as igrejas eram cristãs.
Os cátaros eram seguidores inequívocos de Jesus; justificavam a sua predilecção nas Sagradas Escrituras, com especial ênfase por João; muito próximos do cristianismo primitivo, observavam em grande parte os seus rituais e práticas e o modelo de organização e por último, propunham um modelo de salvação baseado na recepção de um único sacramento, a extrema-unção, o consolament.
Faziam outra leitura da Bíblia. Em contraste com o princípio do catolicismo - «Um só Deus, pai todo poderoso, criador do céu e da terra», conforme o estabelecido no concílio de Niceia de 325, o catarismo afirmava a existência de dois princípios originários, opostos e irreconciliáveis. O Dualismo cátaro opõe a Deus, autor da espiritualidade e do bem, Satanás, autor da matéria e do mal. Com os cátaros, temos dentro do cristianismo, uma reformulação alternativa de algumas crenças cristãs fundamentais, como a criação do Mundo, a figura de Jesus Cristo, o inferno e o paraíso, o fim dos tempos.
Na sua procura de respostas para a origem do Mundo e ao problema do mal, os cátaros distinguiram duas criações, uma boa outra má. A primeira criação foi obra de Deus verdadeiro, era incorruptível e eterna: a segunda, em oposição, era obra do Diabo, e continha todas as coisas vãs e corruptíveis.
Os cátaros procuraram na Bíblia a explicação sobre a origem dos tempos. Assim, afirmavam de modo conciso, que a obra do Deus bom não pode ser destruída nem deixar de existir. «É entendido que tudo o que Deus faz dura para sempre». Por sua parte, o antagonismo, o deus malvado, corruptor de uma parte dos espíritos celestiais, era o criador do Mundo de um mundo corruptível, integrado pela terra e do o que contem: o universo, o mar, as montanhas, os animais, as plantas, os seres humanos. Para os cátaros, os homens eram uns corpos de carne – concebidos também como uma espécie de túnica de pele – criados pelo deus do mal no mundo efémero, corpos em que os anjos caídos do paraíso estão condenados a permanecer encarcerados para sempre.
Para os cátaros, Deus não podia assistir impassível à condenação das suas criaturas, acabando por enviar à terra o seu filho, Jesus Cristo, que era concebido como um ser puramente espiritual, dotado de uma simples aparência humana. Para eles, Cristo tinha duas missões, uma, arrancar os anjos caídos do esquecimento permanente em que viviam, outra oferecer aos homens o consolament, o sacramento da salvação, que garantia a salvação.
Assim para os cátaros, a história da humanidade, o triste desvario de homens e mulheres neste baixo mundo, não teriam outro objectivo que não fosse a salvação sucessiva dos uns espíritos caídos que, no caso de não terem recebido o consolament no momento da sua morte corporal, se viam obrigados a dar voltas de um lado para o outro consumidos pelo fogo de Satanás e, não conseguiriam um momento de repouso até encontrarem outro corpo para viverem uma nova existência: é a crença cátara da metempsicose das almas.
E neste sentido, o fim da história da humanidade – é decidir o fim dos tempos – que aconteceria quando se salvasse o último dos espíritos seduzidos por Satanás, encarcerado na carne corruptível do corpo humano. Para os cátaros não havia juízo final, nem tão pouco inferno, porque na realidade, inferno maior que este baixo mundo, não podia haver, que deveria ser destruído e regressar ao nada de onde tinha vindo.
Sem dúvida que a heresia só podia ser curada com a fogueira, onde todos os seus princípios fossem reduzidos a cinzas, dispersas pelo vento. A proximidade dos princípios religiosos com as filosofias orientais é mais que evidente, ainda que manifestada de uma forma mais ortodoxa do que espiritual, não deixa de transparecer todos os fundamentos da espiritualidade da manifestação do Mundo. Ela opõe ao preconceito dogmático da exigência, fundamento da Igreja Católica, a liberdade da salvação, subtraindo-lhe os aspectos apocalípticos, pela bem aventurança da escolha entre o bem e mal, como condição de regressar ao nada de onde veio. Na essência, temos Sidarta; (manifestação) os anjos caídos, (Samsara) a reencarnação sucessiva dos espíritos caídos, (Karma) o comportamento, (Nirvana) regressar ao nada de onde veio a emanação.
Nem sempre o Ocidente andou tão longe da verdadeira espiritualidade, como hoje acontece, apesar de já não haver Inquisição, ou será que anda por aí disfarçada? O radicalismo religioso é muito perigoso, normalmente empurra para a intolerância, que era o lema dos inquisidores.
In "Klepsidra "posted by "augustoM"
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